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(pt) "Anarquismo e Organização" de Amédée Dunois (1907)

Date Wed, 30 Jun 2010 14:22:05 +0200


APRESENTAÇÃO
O Congresso Anarquista de Amsterdã de 1907 teve dois debates fundamentais que
possuem relação direta com o especifismo: a questão do classismo e a necessidade da
organização específica anarquista.
O primeiro deles aconteceu entre os anarquistas que defendiam um anarquismo em certo
sentido "idealista" - que ainda era resultado de seu afastamento dos movimentos
populares, do período do insurrecionalismo (propaganda pelo fato) - e os
sindicalistas revolucionários - que defendiam uma posição classista, que poderíamos
chamar de "materialista", de defesa intransigente da luta de classes e da
necessidade de presença dos anarquistas nos movimentos de massa. Essa posição
materialista foi defendida por Pierre Monatte, que sustentava que "o sindicalismo
existe como a prova de um recrudescimento do movimento operário, e ele faz renascer
no anarquismo uma consciência de suas origens entre os trabalhadores". O segundo
deles aconteceu entre um setor que acreditava que o sindicalismo "bastava a si
mesmo" e outro que reivindicava a necessidade da organização em níveis distintos, do
movimento de massas (sindicalismo) e da organização anarquista. Para os últimos, o
anarquismo não deveria fundir-se nos sindicatos, transformando o sindicalismo em uma
ideologia própria, posição que foi defendida por Malatesta, quando colocou que
"dentro dos sindicatos, é preciso que permaneçamos anarquistas, com toda a força e
amplitude implícitas nesta definição. [...] Lamentei, no passado, que os camaradas
se isolassem do movimento operário. Lamento hoje que, caindo no extremo oposto,
muitos entre nós se deixem tragar pelo mesmo movimento".

Na realidade, no Brasil, são bem conhecidos os textos de Pierre Monatte, "Em Defesa
do Sindicalismo" e o de Errico Malatesta, "Sindicalismo: a crítica de um
anarquista", ambos relativos às suas intervenções no Congresso de 1907 e publicados
no livro Os Grandes Escritos Anarquistas, organizado por George Woodcock. No
entanto, com eles, é possível se ter uma idéia somente do segundo debate, que
envolvia a necessidade da organização específica anarquista. Para uma elaboração
mais aprofundada do primeiro debate, que se deu entre materialistas e idealistas,
sugiro ver o artigo do companheiro José Antonio Gutierrez Danton, "Cien Años del
Congreso de Ámsterdam" (http://www.anarkismo.net/article/6266).

Foi por este artigo do companheiro que tive acesso à intervenção de Dunois, um
militante da CGT, no Congresso Anarquista de Amsterdã. Suas posições são as mais
próximas do especifismo que hoje sustentamos. Dunois defendeu, nessa intervenção, um
anarquismo classista que atuasse no seio do movimento sindical por meio de uma
organização específica de anarquistas.

No primeiro debate, saíram vitoriosos os materialistas, o que foi positivo pela
reaproximação do anarquismo do campo da luta de classes. No segundo, entretanto,
venceram aqueles que não defendiam a necessidade da organização anarquista. Se por
um lado o Congresso reforçou o sindicalismo revolucionário, da mesma forma que o
havia feito a Carta de Amiens um ano antes, ele renegou o chamado "dualismo
organizacional" que envolve a necessidade de organização em níveis distintos, o
político-ideológico e o social, de massas. O modelo da CGT e os resultados do
Congresso de 1907 marcaram o que foi a hegemonia do século XX em âmbito mundial do
anarquismo: as posições sindicalistas revolucionárias. O sindicalismo revolucionário
como estratégia anarquista para o movimento popular foi o que deu fôlego às
mobilizações que tiveram muito vigor até a década de 1930.

Aqui, apresentamos em português a intervenção de Amédée Dunois no Congresso de
Amsterdã de 1907, que foi publicada com o nome de "Anarquismo e Organização" em um
livro organizado por Maurizio Antonioli. Uma tradução desse livro, "The
International Anarchist Congress: Amsterdam (1907)", realizada e publicada por
Nestor McNab, me foi entregue pelo tradutor/editor, e é desse livro que retirei o
artigo aqui traduzido.

Agradeço aos companheiros José Antonio e Nestor, o primeiro por ter me apresentado o
autor e sua ótima intervenção, senão a melhor, no Congresso de Amsterdã; o segundo,
por ter me dado acesso ao livro completo das atas e intervenções do Congresso.
Espero que o curto texto de Dunois possa contribuir com a construção de um
anarquismo classista e especificamente organizado no Brasil.


Felipe Corrêa
Junho 2010



* * *

ANARQUISMO E ORGANIZAÇÃO
Amédée Dunois

Não faz muito tempo desde que a maior parte dos anarquistas opunha-se a toda idéia
de organização. A questão com a qual hoje lidamos teria levantado inúmeros protestos
e seus defensores teriam sido veementemente acusados de terem pensamentos
retrógrados e objetivos autoritários.

Esse foi o tempo em que os anarquistas, isolados uns dos outros, e mais isolados
ainda da classe operária, parecem ter perdido todo seu sentimento social. Os
anarquistas, com seus incessantes apelos pela libertação espiritual do indivíduo
eram vistos como a manifestação suprema do velho individualismo burguês.

As ações individuais e a iniciativa individual eram tidas como suficientes para
tudo; eles aplaudiram Enemy of the People [Peça escrita por Henrik Ibsen em 1882.
(N. T.)] quando ela declarou que o homem mais forte do mundo é aquele que fica mais
sozinho. Mas eles não pensaram uma coisa: que o conceito de Ibsen nunca foi o de um
revolucionário, no sentido que damos a essa palavra, mas o conceito de um moralista
preocupado principalmente em estabelecer uma nova elite moral no seio da velha
sociedade.

Nos últimos anos, falando de maneira genérica, pouca atenção foi dada ao estudo dos
problemas concretos da vida econômica, aos vários fenômenos da produção e da troca
e, alguns de nós, que não desapareceram ainda completamente, foram tão longe, que
chegaram a negar a existência de um fenômeno básico - a luta de classes - ao ponto
de não fazerem mais distinções na atual sociedade, assim como os meros democratas,
exceto as diferenças de opinião, para a qual a propaganda anarquista deveria
preparar os indivíduos - uma forma de capacitá-los para a discussão teórica.

Em suas origens, o anarquismo não foi mais do que um protesto concreto contra as
tendências oportunistas da democracia social e as maneiras autoritárias de atuação;
e, nesse sentido, pode-se dizer que o anarquismo teve um papel considerável no
movimento social dos últimos 25 anos. Se o socialismo como um todo, como uma idéia
revolucionária, sobreviveu ao progressivo aburguesamento da democracia social, é sem
dúvida, por razão dos anarquistas.

Por que os anarquistas não se satisfizeram em apoiar o princípio do socialismo e do
federalismo contra os desvios descarados dos defensores do da conquista do poder
político? Por que o tempo fez com que eles, frente ao socialismo parlamentar e
reformista, tivessem a ambição de reconstruir toda novamente uma ideologia?

Só podemos reconhecer que esse esforço ideológico nem sempre foi fácil.
Freqüentemente, nos limitamos a queimar aquilo que a democracia social venerava e a
venerar aquilo que havia sido queimado. Foi assim que, inconscientemente e sem
perceber, muitos anarquistas perderam de vista o caráter classista e essencialmente
prático do socialismo em geral, e do anarquismo em particular, nenhum dos quais
nunca foi outra coisa senão a expressão teórica da resistência espontânea dos
trabalhadores à opressão e ao regime burguês. Foi assim com o anarquismo, e também
com o socialismo filosófico alemão antes de 1848 - como podemos ler no Manifesto
Comunista - que se orgulhou de ser capaz de "desprezar todas as lutas de classes" e
defendendo "não os interesses do proletariado, mas os interesses da natureza humana,
do homem em geral, que não pertence a classes, não pertence à realidade, que existe
somente no recôndito místico da fantasia filosófica".

Deste modo, muitos anarquistas voltaram-se curiosamente ao idealismo, por um lado, e
ao individualismo, por outro. E houve um renovado interesse pelos antigos temas de
48 como justiça, liberdade, fraternidade, e a emancipatória onipotência das idéias
no mundo. Ao mesmo tempo, o indivíduo era exaltado, da maneira inglesa, contra o
Estado, e toda forma de organização começou a ser vista, de maneira mais ou menos
aberta, como uma forma de opressão e de exploração mental.

Certamente esta forma de pensar nunca foi absolutamente unânime. Mas isso não a
isenta da responsabilidade pela maior parte da falta de um movimento anarquista
coerente e organizado. O medo exagerado de alienar nossos livres-arbítrios em
relação a algum novo corpo coletivo fez com que parássemos de nos unir.

É verdade que houve em nossos meios "grupos de estudos sociais", mas sabemos o quão
efêmeros e precários eram eles; nascidos do capricho individual, estes grupos
destinaram-se a desaparecer juntamente com esse capricho. Aqueles que os criaram não
se sentiram unidos o suficiente e, as primeiras dificuldade que encontraram, fizeram
com que se dividissem. Além disso, esses grupos pareciam não ter uma noção clara de
seu objetivo. Agora, o objetivo de uma organização é, antes e ao mesmo tempo,
pensamento e ação. Em minha experiência, no entanto, esses grupos não atuaram de
fato: eles debateram. E muitos os acusaram de estar construindo aquelas pequenas
igrejas, aqueles espaços de conversa.

O que se encontra na raiz do fato de que a opinião anarquista agora pareça estar
mudando em relação à questão da organização? Existem duas razões para isso.

A primeira é o exemplo que vem de fora. Existem pequenas organizações permanentes na
Inglaterra, na Holanda, na Alemanha, na Boêmia, na Romandia e na Itália, que estão
funcionando há alguns anos, sem que para isso tenham renunciado a idéia anarquista.
É verdade que na França não temos muitas informações sobre a constituição e a
existência dessas organizações; seria desejável pesquisar o assunto.

A segunda é muito mais importante. Ela consiste na decisiva evolução pela qual vêm
passando as mentes e os hábitos práticos dos anarquistas, mais ou menos em todos os
lugares, nos últimos sete anos, que os fez juntar-se ao movimento operário
ativamente e participar da vida do povo. Em uma palavra, temos superado a distância
entre a idéia pura, que pode facilmente tornar-se um dogma, e a vida real.

O resultado fundamental disso foi que nos interessamos cada vez menos pelas
abstrações sociológicas do passado, e cada vez mais pelo movimento prático, pela
ação. A prova disso é, por exemplo, a grande importância que o sindicalismo
revolucionário e o antimilitarismo vêm atingindo nos últimos anos.

Outro resultado de nossa participação no movimento, também muito importante, foi que
o próprio anarquismo teórico foi estimulado e tornou-se vivo pelo contato com a vida
real, essa eterna fonte de pensamento. O anarquismo, do nosso ponto de vista, não é
mais uma concepção geral de mundo, um ideal de vida, uma rebeldia de espírito contra
tudo o que é injusto, impuro e abominável na vida. Ele é também, e sobretudo, uma
teoria revolucionária, um programa concreto de destruição e de reorganização social.
O anarquismo revolucionário - e eu destaco a palavra revolucionário - tem por
objetivo essencial participar do movimento espontâneo das massas, buscando o que
Kropotkin chamou tão nitidamente de "conquista do pão".

Agora, é somente do ponto de vista do anarquismo revolucionário que a questão da
organização anarquista pode ser abordada.

Os inimigos da organização são hoje de dois tipos.

Primeiro, há aqueles que são obstinadamente e sistematicamente hostis a qualquer
tipo de organização. Eles são individualistas. Pode ser encontrada entre eles a
idéia popularizada por Rousseau de que a sociedade é um mal, que ela é sempre a
limitação da independência do indivíduo. O sonho desses individualistas é a menor
sociedade possível, ou mesmo que a sociedade não exista; um sonho absurdo e
romântico, que nos leva de volta às estranhas tolices da literatura de Rousseau.

Nós precisamos dizer e demonstrar que o anarquismo não é individualismo?
Historicamente falando, o anarquismo nasceu a partir do desenvolvimento do
socialismo, nos congressos da Internacional, em outras palavras, do próprio
movimento operário. E, de fato, logicamente, anarquia significa a sociedade
organizada sem uma autoridade política. Eu disse organizada. Nesse ponto, todos os
anarquistas - Proudhon, Bakunin, aqueles da Federação Jurassiana, Kropotkin - estão
em concordância. Longe de tratar a organização e o governo igualmente, Proudhon
nunca deixou de afirmar sua incompatibilidade: "O produtor é incompatível com o
governo", diz ele na Idéia Geral da Revolução no Século XIX, "e a organização é
oposta ao governo".

Mesmo o próprio Marx, cujos discípulos agora tentam esconder o lado anarquista de
sua doutrina, definiu assim a anarquia: "Todos os socialistas entendem por anarquia
o seguinte: que uma vez que o objetivo do movimento do proletariado - a abolição das
classes - for atingido, o poder do Estado - que serve para manter a ampla maioria de
produtores sob o jugo de uma minoria exploradora - desaparece e as funções do
governo são transformadas em simples funções administrativas". [Karl Marx. "As
Pretensas Cisões na Internacional", 1872.] Em outras palavras, anarquia não é a
negação da organização, mas somente a negação da função governamental do poder do
Estado.

Não, o anarquismo não é individualista, mas basicamente federalista. O federalismo é
essencial ao anarquismo: ele é, de fato, a verdadeira essência do anarquismo. Eu
definiria, satisfatoriamente, o anarquismo como o federalismo completo, a extensão
universal da idéia de livre contrato.

Assim, não entendo como uma organização anarquista poderia prejudicar o
desenvolvimento individual de seus membros. Ninguém seria forçado a entrar, assim
como ninguém seria forçado a sair, uma vez que tenham se tornado membros. Então, o
que é uma federação anarquista? Diversos companheiros de uma região particular, a
Romandia por exemplo, tendo comprovada a impotência das forças isoladas, das ações
fragmentadas, concordaram um dia em manter um contato permanente uns com os outros,
em unir suas forças com o objetivo de trabalhar para disseminar as idéias
comunistas, anarquistas e revolucionárias, e para participar de eventos públicos com
sua ação coletiva. Com isso, eles criaram uma nova entidade cujo indivíduo é vítima?
De maneira alguma. Eles simplesmente, com um objetivo preciso, reuniram suas idéias,
suas vontades e suas forças e, do potencial coletivo resultante, cada um teve
vantagens.

Mas nós também temos, como eu disse anteriormente, outros adversários. São aqueles
que, apesar de apoiarem a organização dos trabalhadores fundada na identidade de
interesses, provam serem hostis - ou pelo menos indiferentes - a qualquer
organização baseada na identidade de aspirações, sentimentos e princípios. Eles são,
em uma palavra, sindicalistas.

Examinemos suas objeções. A existência na França de um movimento operário com uma
perspectiva revolucionária, e quase anarquista é, naquele país, geralmente, o maior
obstáculo que encontra qualquer esforço à organização anarquista - eu não quero
dizer que esse esforço não exista. E esses importantes fatos históricos impõem
certas precauções a nós, que não afetam, em minha opinião, nossos companheiros de
outros países.

O movimento operário hoje, observam os sindicalistas, oferece aos anarquistas um
campo quase ilimitado de ação. Ao passo que os grupos fundamentados nas idéias, os
pequenos santuários nos quais apenas os iniciados podem entrar, não podem esperar
crescer indefinidamente, a organização operária, por outro lado, é uma associação
amplamente acessível. Ela não é um templo, cujas portas estão fechadas, mas uma
arena pública, um fórum aberto a todos os trabalhadores sem distinção de sexo, raça
ou ideologia e, por essa razão, perfeitamente adaptada a abarcar todo o proletariado
dentro de suas flexíveis e móveis fileiras.

Agora, continuam os sindicalistas, é nos sindicatos operários que os anarquistas
devem estar. O sindicato operário é o germe da sociedade futura; é o sindicato que
pavimentará o caminho para essa sociedade. O erro é ficar entre quatro paredes, em
meio a outros iniciados, ruminando as mesmas questões da doutrina seguidas vezes,
sempre se movendo dentro do mesmo círculo de idéias. Não devemos, sob nenhum
pretexto, nos separar do povo, pois, por mais retrógrado e limitado que seja, é ele,
e não o ideólogo, o motor indispensável de toda revolução social. Por acaso nós,
como os social-democratas, temos algum interesse que queremos promover que é
diferente daqueles da grande massa trabalhadora? Interesses de partido, de seita ou
facciosos? É o povo que deve vir a nós ou somos nós que devemos ir ao povo, viver
sua vida, ganhar sua confiança e estimulá-lo, tanto com palavras quanto com o
exemplo da resistência, da revolta e da revolução?

Essa é a argumentação dos sindicalistas. Porém, eu não vejo como seus argumentos
contrariam o nosso projeto de nos organizar. Ao contrário. Vejo claramente que, se
essa argumentação tivesse qualquer valor, o sindicalismo também seria contrário ao
próprio anarquismo, que é uma doutrina que busca distinguir-se do sindicalismo e
recusa ser absorvida por ele.

Organizados ou não, os anarquistas (entendo por esse termo aqueles de nossa
tendência, que não separam arbitrariamente o anarquismo do proletariado) não
esperam, por quaisquer meios, ter autorização para agir com a função de "chefes
supremos", conforme a letra da Internacional. Nós, voluntariamente, atribuímos um
lugar de destaque, no campo da ação, para o movimento operário, convencidos, como
temos estado há muito tempo, de que a emancipação dos trabalhadores deve estar nas
mãos daqueles interessados ou ela não acontecerá.

Em outras palavras, em nossa opinião, o sindicato não deve ter uma função
corporativa ou profissional, como pretendem os socialistas guesdistas, e, com eles,
alguns anarquistas que se agarram às fórmulas antigas. O tempo do puro
corporativismo terminou; esse é um fato que poderia, em princípio, ser contrário a
conceitos prévios, mas que deve ser aceito com todas as suas conseqüências. Sim, o
espírito corporativista, ao tender cada vez mais a tornar-se uma anomalia, um
anacronismo, está dando espaço ao espírito de classe. E isso, escutem o que digo,
não acontece graças a Griffuelhes nem a Pouget - é o resultado da ação. Na
realidade, foram as necessidades de ação que obrigaram o sindicalismo a levantar sua
cabeça e ampliar suas concepções. Atualmente, o sindicato operário está a caminho de
tornar-se, para os proletários, o que o Estado é para a burguesia: a instituição
política, por excelência; um instrumento essencial na luta contra o capital, uma
ferramenta de defesa ou de ataque, em acordo com a situação.

Nossa tarefa, como anarquistas, ou seja, aqueles que são a fração mais avançada,
audaz e livre deste proletariado militante organizado, é estar sempre ao seu lado e
lutar nas mesmas batalhas, confundido-se com ele e defendê-lo dele próprio, o que
não necessariamente é o inimigo menos perigoso. Em outras palavras, queremos prover
essa enorme massa em movimento, que é o proletariado moderno, eu não digo de uma
filosofia e de um ideal, algo que poderia parecer presunçoso, mas de um objetivo e
dos meios para a ação.

Está longe de nós a absurda idéia de querer nos isolar do proletariado; isso seria,
sabemos muito bem, nos reduzir à impotência das arrogantes ideologias, das
abstrações vazias e de todo o ideal. Organizados ou não, os anarquistas permanecerão
fiéis ao seu papel de educadores, estimuladores e guias das massas trabalhadoras. E
se hoje temos em mente a associação em grupos de bairros, cidades, regiões ou
países, e a federação desses grupos, isso, antes de tudo, tem o objetivo de dar mais
força e continuidade à nossa ação sindical.

O que mais freqüentemente falta naqueles de nós que lutam no mundo do trabalho é o
sentimento de ser apoiado. Os sindicalistas social-democratas têm, por trás de si, o
poder constantemente organizado do partido, do qual eles, algumas vezes, recebem
suas orientações e, a todo momento, inspiração. Os anarquistas sindicalistas, por
outro lado, estão abandonados a si mesmos e, fora do sindicato, não possuem qualquer
ligação real entre eles ou aos seus outros companheiros. Eles não possuem qualquer
apoio e não recebem ajuda. Por isso, pretendemos criar essa ligação, proporcionar
esse apoio constante; e eu estou pessoalmente convencido de que a união de nossas
atividades só pode trazer benefícios, tanto em termos de energia, quanto de
inteligência. E quanto mais fortes formos - e só seremos fortes nos organizando -
mais forte será o fluxo de idéias que poderemos sustentar no movimento operário, que
irá, aos poucos, ser impregnado do espírito anarquista.

Mas esses grupos de trabalhadores anarquistas, que esperamos ver criados em um
futuro próximo, não têm outro papel senão influenciar as grandes massas proletárias
indiretamente, por meio de um distinto grupo militante e impulsioná-las
sistematicamente às resoluções heróicas, ou seja, preparar a revolta popular? Os
nossos grupos terão de se limitar ao aperfeiçoamento da educação dos militantes,
manter neles vivo o espírito revolucionário, permitir a uns conhecerem os outros,
trocar idéias, ajudar uns aos outros em qualquer momento? Em outras palavras, eles
terão sua própria ação para levar a cabo diretamente? Eu acredito que sim.

A revolução social, quer se imagine que ela terá a forma de uma greve geral ou de
uma insurreição armada, só pode ser obra das massas que irão beneficiar-se dela. Mas
todo movimento de massas é acompanhado de atos, cuja verdadeira natureza - suponho,
cuja natureza técnica - implica que eles sejam levados por um número limitado de
pessoas, pelo setor mais perspicaz e ousado do movimento de massas. Durante o
período revolucionário, em cada bairro, em cada cidade, em cada província, nossos
grupos anarquistas formarão pequenas organizações de luta, que tomarão aquelas
medidas especiais e delicadas que a ampla massa quase sempre é incapaz de tomar. É
claro que os grupos devem, mesmo agora, estudar e estabelecer essas medidas
insurrecionais para não ser, como freqüentemente acontece, surpreendidos pelos
acontecimentos.

O objetivo principal, regular e contínuo de nossos grupos é, vocês já devem supor, a
propaganda anarquista. Sim, iremos nos organizar, sobretudo, para espalhar nossas
idéias teóricas, nossos métodos de ação direta e o federalismo universal.

Até hoje, nossa propaganda tem sido feita somente, ou quase que só, de maneira
individual. A propaganda individual teve notáveis resultados, sobretudo nos tempos
heróicos em que os anarquistas eram poucos e, para aumentar suas filas, precisavam
de um espírito de proselitismo que remonta ao cristianismo primitivo. Mas isso tem
de continuar a acontecer? A experiência me obriga a confessar que não.

Parece que o anarquismo tem passado por um tipo de crise nos últimos anos, pelo
menos na França. As causas dessa crise são, claramente, muitas e complexas. Não é
meu objetivo aqui estabelecer quais são essas causas, mas preocupa-me se a falta
total de acordo e de organização não é uma delas.

Há muitos anarquistas na França. Eles estão muito divididos nas questões de teoria;
mas, ainda mais, na prática. Cada um age da sua própria maneira, como quer; assim,
os esforços individuais são dispersos e freqüentemente exauridos, simplesmente
perdidos. Os anarquistas podem ser encontrados em mais ou menos todos os campos de
ação: nos sindicatos operários, no movimento antimilitarista, entre os
livre-pensadores anticlericais, nas universidades populares, e assim por diante. O
que nos falta é um movimento especificamente anarquista, que possa agrupar, sob
bases econômicas e operárias, que são as nossas, todas aquelas forças que vêm
lutando isoladamente até agora.

Esse movimento especificamente anarquista surgirá espontaneamente de nossos grupos e
da federação desses grupos. A força da ação conjunta, da ação combinada, irá, sem
dúvida, criá-lo. Não preciso adicionar que essa organização não espera, certamente,
abarcar todos os elementos essencialmente dispersos que descrevem a si mesmos como
seguidores do ideal anarquista. Existem, sem dúvida, aqueles que seriam totalmente
inadmissíveis. Seria suficiente à organização anarquista agrupar, em torno de um
programa de ação prática e concreta, todos os companheiros que aceitem nossos
princípios e que queiram trabalhar conosco, de acordo com nossos métodos.

Deixe-me esclarecer que eu não quero entrar em detalhes aqui. Não estou tratando dos
aspectos teóricos da organização. O nome, a forma e o programa da organização a ser
criada serão estabelecidos separadamente e depois da reflexão daqueles que apóiam
essa organização.


* Tradução: Felipe Corrêa

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