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(pt) A Conferência de anarquistas não-brancos em Detroit-EUA

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Date Wed, 5 Nov 2003 10:29:28 +0100 (CET)


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A - I N F O S S e r v i ç o de N o t í c i a s
Notícias sobre e de interesse para anarquistas
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Por Alessandro Campos
Aconteceu em Detroit-Michigan-EUA do dia 3 ao dia5 de outubro a
Conferência de Anarquistas Não-brancos, ou Conference Anarchist People of
Color. Estiveram presentes mais de 130 pessoas de muitas partes dos EUA e
de outros países. Pessoas de quase todos os estados norte-americanos, do
Texas e Califórnia até Seattle e Detroit, e também da Palestina, Iraque,
Marrocos, China, Índia, Coréia, Butão, México, Nicarágua, Porto Rico,
Jamaica, Colômbia, Brasil, Venezuela, Guatemala e Canada.
A proposta desta conferência foi feita a aproximadamente 1 ano e meio
atrás, em especial por alguns coletivos anarquistas de Nova York que já
haviam tido uma experiência desta natureza em sua cidade. A partir de um
encontro regional de anarquistas não-brancos pensaram como isso poderia
acontecer nacionalmente. Fizeram contatos com outros grupos anarquistas
que estavam de alguma forma pensando e discutindo as questões raciais
dentro do movimento libertário e na sociedade norte-americana. Aqui tenho
que abrir um parênteses porque existe uma condição fundamental para
continuar este relato. Muitas pessoas no Brasil questionaram a natureza
desta conferência com uma proposta de reunir anarquistas não-brancos
dentro do movimento libertário. Bem, de prontidão tenho que dizer que em
hipótese alguma se pode comparar o racismo brasileiro com o racismo
norte-americ ano, a não ser é claro que ambos são odiosos, sem se
contextualizar muitos elementos, que no caso se iniciam com as diferentes
colonizações, e isso eu não pretendo fazer agora. Não se discute muito se
mulheres anarquistas devem ou não se reunir para discutir o feminismo e
sexismo, de uma maneira direta e tentando não ser reducionista, da mesma
maneira a identidade racial dentro do movimento anarquista faz muito
sentido que seja discutida por quem mais sofre o racismo aqui, que são as
pessoas não-brancas. Apesar de que este não era necessariamente o objetivo
da conferência. Isso não impediu também que anarquistas brancos
participassem da conferência, eles estavam lá.
A questão racial sempre foi foco de luta dos anarquistas em qualquer parte
do mundo, mas o que acontece aqui nos EUA é que o movimento anarquista é
esmagadoramente composto de pessoas brancas, e os anarquistas estão
sujeitos a influência do lugar em que vivem, considerando que uma dose de
realidade sempre é imprescindível para as transformações que queremos.
Acontece que esta influência social no movimento anarquista não se dá pelo
fato de você talvez ter racismo entre anarquistas, nunca vi isso, mas pela
condição e experiência de cada pessoa. A realidade e a vida que levou e
leva um anarquista branco de classe média é muito diferente daquela de um
anarquista negro e pobre. As questões raciais foram determinantes em
muitas destas coisas. Um exemplo disso foram conversas com anarquistas
brancos sobre o que achavam de uma Conferência como esta. Todos com quem
estive concordavam e apoiavam incondicionalmente esta iniciativa, não
pensavam que ela era segregacionista ou discriminatória, mas que era sim
uma contribuição a mais para todos os anarquistas. Em uma das oficinas
apresentadas, com o tema sobre supremacia branca e constituição
norte-americana, ficou muito clara a compreensão de que racismo e luta de
classes estão juntos. Para se ter uma idéia do que estou falando um
sujeito chamado David Dooke foi eleito para o senado pela Lusiania com
mais de 600 mil votos. Acontece que ele era simplesmente um dos
responsáveis diretos pela organização de grupos armadas (grupos
paramilitares) antiimigrantes. Recentemente foi publicada a biografia dele
e é incrível a semelhança com o "minha luta" de Hitler. Este senador tinha
como plano de governo a extinção de imigração para os EUA de toda pessoa
não-branca ou de países de terceiro mundo. Não tenho a intenção de
justificar ou discutir a conferência aqui ou responder as críticas que
foram fei tas, mas espero que estes exemplos sirvam para parte desta
compreensão.
Sobre a conferência então. No dia 3 (sexta-feira), o primeiro dia,
aconteceu o credenciamento dos participantes e o início das apresentações
individuais. Apenas no dia 4 (sábado) deram-se início as oficinas e
apresentações propostas. A variedade de trabalhos foi uma coisa evidente.
Pela manhã podemos conhecer o trabalho que os participantes realizavam em
rápidas e breves apresentações. A tarde aconteceram oficinas com os temas:
"Mulheres não-brancas e feminismo", "Auto-defesa e auto-proteção", "Uma
introdução e aplicação da Teoria Racial Crítica para anarquistas", "Meus
poemas na rua: Explorando a identidade fronteiriça, história e legado de
mulheres lésbicas e bissexuais não-brancas", "afro-punk: a experiência do
rocknroll negro", "Organização contra repr essão e brutalidade policial",
"Para compor o congresso: nacionalismo branco nos EUA", "Direcionando o
sexismo nos movimentos, na comunidade e em nós mesmo", "Olhando para os
Direitos", "Começando grupos locais de Copwatch - oficina de vídeo", "Zona
de direitos humanos no sul do Bronx e em comunidades alternativas",
terminando o dia com uma assembléia.
Na verdade nem todas as oficinas aconteceram como estava na programação.
Existiram mudanças de horário e até de dia, porque alguns responsáveis
pelas oficinas não conseguiram chegar a tempo e foi necessário um
remanejamento de salas e horários. Por exemplo, acabei participando de uma
oficia sobre anarquistas na Palestina que estava marcada para o dia 5
(domingo), pois exatamente a oficina sobre Teoria racial iria acontecer no
domingo e não no sábado como estava marcada. De qualquer maneira isso não
impediu e nem prejudicou muito os debates. A qualidade das discussões foi
em grande parte muito construtiva, até porque a experiência de trabalho e
de ativismo que as pessoas possuíam não poderia passar sem ser notada. Nos
intervalos entre as oficinas e nas conversar par a tomar um café, pude me
dar conta que o anarquismo continua atuante, significativo e contestador.
Muitas pessoas eram educadores, estavam trabalhando com comunidades, em
escolas, prisões, disseminando a chama libertária por onde viviam. Outra
coisa que chamou a atenção foi o fato de muitas pessoas terem um trabalho
nitidamente anarquista mas não necessariamente valerem-se da ideologia
anarquista, como por exemplo o trabalho que vem sendo feito na Palestina.
As organizações e assembléias que vem sendo realizadas por lá possuem um
caráter autogestionário e os anarquistas não tem tido no foco de suas
ações a preocupação em dizer que são anarquistas ou não, mas procuram
criar espaços genuinamente autônomos. Esta diversidade de atuações apenas
contribuiu para melhorar o que estava sendo proposto. Mesmo assim acredito
que alguns pontos poderiam adotar uma postura mais radical. Falou-se
pouco, por exemplo, sobre ação direta e sobre a diferença e semelhança dos
anarquistas não-brancos em trabalhos com anarquistas brancos e como a
questão racial poderia ser notada. Outra oficina que participei foi sobre
"nacionalismo branco e constituição norte-americana". A pessoa que
coordenou a oficina, Eric Ward possui um trabalho muito consistente na
luta contra a soberania branca nos EUA. Recentemente fizeram um
levantamento de quantos grupos em favor da soberania branca estavam em
atuação nos EUA. A conclusão foi alarmante: nada mais nada menos que 200
mil! Isto os mais atuantes, aqueles que organização manifestações,
jornais, periódicos, pois o número pode ser muito maior. Vão desde
skinheads que perambulam pelas ruas querendo agredir as pessoas até
presidentes de multinacionais e políticos da Casa Branca. Um debate
provocador porque trazia a idéia de que a raça nos EUA tinha o poder de
determinar que tipo de experiências uma pessoa teria na vida. Dava o
exemplo de comunidades brancas que estavam muito preocupadas com a partic
ipação de pessoas não-brancas na polícia e na política. Tinham (os
brancos) uma clara compreensão de que os EUA está cada vez mais se
tornando um país de outras raças e não apenas branca. Uma coisa um pouco
complexa que coloca os brancos como sendo minoria. Um ponto que, na minha
opinião, deveria ser melhor tratado e que não vi, foi falarem do racismo
de pessoas não-brancas. Porque aqui você pode encontrar, por exemplo,
pessoas negras falando contra os imigrantes latinos e se dar conta que o
discurso é idêntico aos nacionalistas direitistas brancos. Depois pude
assistir ao filme sobre identidade de pessoas negras na cena
punk-hardcore. Muitos depoimentos de diferentes partes dos EUA, o papel
político e a influência da música negra dentro do punk. Você começa a
pensar que Chuck Berry sem dúvida era punk, só faltava o moicano! Além das
cenas de um show do Bad Brains que dava vontade de dar um mosh no meio das
cadeiras! Você pode saber mais em www.afropunk.com.
A noite chegou e como não podia faltar teve uma festa. Dançando a noite
quase toda (até porque estava fazendo um frio muito grande!), ao som de
uma discotecagem totalmente faça-você-mesmo, que foi de salsa-merengue até
Sin Dios, os anarquistas mostraram que são bons de salão também. Lógico
que depois de algumas cervejas, não se falava tanto de Bakunin, mas mesmo
assim conversamos muito sobre a conferência e debates que aconteceram.
Resumindo: boa música, boas idéias, boa diversão, ou seja, boa festa!
O dia 5 (domingo) e último. As oficinas aconteceram com temas sobre:
"herb, medicina popular", "Começando uma coalizão multicultural", "Libere
suas palavras: falando de liberação", "Letras presas: espancando o
complexo industrial prisional", "Começando a trabalhar por uma organização
de pessoas anarquistas não-brancas", "A droga da Guerra: anarquistas
não-brancos respondem", "Organizando 101", "anarquistas no movimento de
solidariedade a Palestina" (que aconteceu ontem), "O movimento anti-guerra
e o papel dos anarquistas não-brancos", " Continuação da oficina de
auto-defesa" , "Anti-ALCA e as preparações para Miami".
Fui participar da oficina sobre o "Complexo industrial prisional". Muito
interativa, a facilitadora do trabalho realizou uma adaptação inspirada no
Teatro do Oprimido de Augusto Boal. A idéia era criar um conceito e uma
intervenção no que significa Complexo Industiral Prisional. Depois
participei da discussão sobre os protestos que estarão acontecendo sobre a
ALCA em novembro em Miami. Não se falou nada de novo para quem esta
acompanhando os debates sobre a ALCA, mas ficou evidente a preocupação com
as ações em Miami, principalmente que tipo de ação direta será mais
eficaz. A Florida, onde esta Miami é um estado bem conservador e
estrategicamente um pouco mais difícil o acesso. Não se traçou planos de
ação ou alguma estratégia por uma questão clara de segurança, mas foram
feitos importantes contatos para melhorar o ato e possíveis ações
conjuntas em nov embro. Por fim participei da continuação da oficina de
autodefesa. Técnicas de confronto corpo-a-corpo e pancadaria contra o
capitalismo! Como se defender de violência policial e também na rua contra
qualquer pessoa que queira te agredir. Ótimo para quando encontrar
skinheads nazistas. Lembrei das minhas aulas de capoeira.
Por fim, a assembléia de resolução da conferência. Alguns pontos chaves:

- manter sempre a descentralização, coletivismo e cooperação na organização;

- incentivar o crescimento das pessoas para terem seus trabalhos e ações
efetivados;
- iniciar e manter a contra-cultura usando todo tipo de comunicação para
resistir a ilegalidade da autoridade, racismo, sexismo e capitalismo,
criando alternativas contra a cultura de dominação;
- fortalecer a luta pela união de bairros e de comunidades;

- saber da história local e das lutes anti-racistas;

- revolução e cultura para as transformações;

- basear-se em modelos de revoluções e organização não-brancas;

- paciência e comunicação direta;

- desenvolver princípios de tolerância;

- reconhecer, analisar e destruir o imperialismo norte-americano;

- perseverança;

- priorizar a educação popular;

- discussão em grupo;

- criar e ampliar meios de comunicação para divulgação anarquista;

- incentivar laboratórios de novos métodos para a organização de espaços
comunitários e libertários;
De uma maneira geral as pessoas tiraram boas conclusões, fizeram bons
contatos e não houve maiores incidentes (existia uma certa tensão por
conta de ameaças feitas por agentes do FBI que durante a organização da
conferência ameaçaram impedi-la por considerarem um evento "suspeito e
subversivo"), e ficou uma pergunta principal no ar: devesse criar um
movimento de anarquistas não-brancos? O que definiria este movimento? Suas
atuação e participação dentro do movimento anarquista de uma maneira mais
ampla? Não seria possível tirar nenhuma resolução naquele momento. Uma
decisão como esta precisa de tempo e uma maior participação de pessoas e
grupos e nisso todos estiveram de acordo. Ficou também de se criar fóruns
de discussão e de apoio a todos aqueles que quiserem realizar encontros
locais. Outra conferência nacional seria realizada daqui a aproximadamente
2 anos. A conferência teve o êxito de reunir diferentes experiências em
pouco tempo e espaço. E volto a dizer que ela fez contribuir com a
pluralidade de idéias e de posturas sempre presente no meio anarquista. A
contribuição de todos para a realização da reunião, tanto de pessoas
brancas como não-brancas, mostra que o anarquismo tem continuado a
contribuir profundamente para a resistência contra qualquer preconceito e
contra o sistema capitalista que joga muito bem com isso. Sempre em um
encontro aonde você tem pessoas comprometidas com as propostas feitas, te
fazem crescer e animar um pouco mais, pois são verdadeiros rebeldes e você
sabe que pode contar com eles. Assim são os autênticos anarquistas!
Paz e força para todos os que estiveram nesta conferência e que irão
compartilhar seus frutos com todo/as companheiro/as.
Saúde!

*Para mais informação você pode ver: www.illegalvoices.org e Anarchist
People of Color Zine: emelda@rebelgrrrl.org
[de agência de notícias anarquistas-ana]





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