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(pt) A BATALHA, nº 197: 10º aniversário da biocoop + transgénicos:

From Worker <a-infos-pt@ainfos.ca>
Date Sat, 8 Mar 2003 22:44:40 +0100 (CET)


adeus sustentabilidade
O 10º Aniversário da BIOCOOP
Entrevista a Ângelo Rocha
Sender: worker-a-infos-pt@ainfos.ca
Precedence: list
Reply-To: a-infos-pt

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A Batalha (Bat.) – Primeiro que tudo agradecemos a tua
disponibilidade para esta entrevista e apresentamos as nossas
felicitações pelo 10º aniversário da Biocoop. Para os nossos
novos leitores e para aqueles mais antigos, que não recordam uma
entrevista anterior, perguntamos-te: quando e como foi fundada a
Biocoop?

Ângelo Rocha (A.R.) – Quando eu e a Manuela tomámos de
arrendamento aos herdeiros de um membro da Agrobio, recentemente
falecido, a sua exploração hortícola no Magoito (Sintra),
pôs-se-nos o problema da colocação e venda dos seus produtos.
Além da venda na quinta tivemos postos de venda semanal em
Cascais, em Carcavelos, na sede da Agrobio, no Centro de Estudos
Libertários, depois em “A Espiral” (à Estefânia) e na Rua S.
Francisco de Sales (ao Rato), todas com carácter precário,
transitório. Impunha-se pois garantir uma certa estabilidade e
legalizar a venda informal de produtos hortícolas que vínhamos
realizando há cerca de um ano nos diversos locais que mencionei.
E foi assim que, com o concurso de 25 elementos, representando
outras tantas famílias, fundámos esta cooperativa de
consumidores de produtos da agricultura biológica, em 13 de
Março de 1993. E decidimos concorrer a uma loja no Mercado
Municipal de Chão de Loureiro, tendo perdido em favor de um
candidato que fez oferta ligeiramente superior à nossa. Contudo
a edilidade acedeu em nos arrendar um outro espaço (20 m2) que
entretanto vagou no mesmo Mercado.
Começámos essencialmente com os produtos da quinta do Magoito –
uma trintena de legumes – e um equipamento mobiliário muito
incipiente.

Bat. – Mas a Biocoop cresceu de maneira relativamente rápida,
tanto em número de sócios como em volume de vendas.

A.R. – Sim. No final desse ano tínhamos já uma centena de
associados e havia alguns outros agricultores interessados em
colocar os seus produtos na nossa loja. Foi assim possível
satisfazer o aumento da procura tanto em quantidade como em
qualidade. Passámos a dispor também de frutos frescos e secos,
legumes secos, azeitonas, ervas aromáticas, plantas medicinais,
compotas, mel, ovos, pão e bolos caseiros, etc.

Bat. – Recordo-me perfeitamente do pão e, em particular, dumas
pequenas e deliciosas bolachas que a Manuela fazia e se
esgotavam rapidamente. E de sumos de uva e maçã do Zé Miguel.
Mas surgiram também produtos importados, alimentares e não
alimentares (de higiene e de limpeza, por exemplo).

A.R. – Adquiridos a importadores nacionais. Mas tratava-se ainda
assim de uma gama limitada de produtos. Entretanto soubemos da
existência em França de uma federação de cooperativas de
consumo, também denominada Biocoop, que contactámos e aceitou a
nossa integração como membro de pleno direito, no âmbito da
Federação do Sudoeste de França. Somos a única cooperativa
estrangeira da Biocoop francesa. Teve isto lugar em 1996.
Adquirimos uma carrinha frigorífica e cada duas semanas íamo-nos
a Agen (1300km) levando alguns produtos nacionais e trazendo
aqueles de que carecíamos. Entre eles leite e laticínios
(iogurte, manteiga, queijos) já que não existiam produtores
nacionais certificáveis nesta área, bem como salsicharia,
cereais, bebidas alcoólicas (cidra, vinho, cerveja) e uma
extensa lista de outros produtos de origens variadas, do Velho e
do Novo Mundo. Com a passagem do tempo a carrinha tornou-se
demasiado pequena para o volume de mercadoria e tivemos de
contratar com empresa transportadora que faz as entregas
semanalmente.

Bat. – Surgiu também um talho, artigos de vestuário, uma pequena
livraria…

A.R. – Inicialmente apenas carne de borrego, criado nas
condições exigidas pela agricultura biológica, depois também de
porco, cabrito e mais recentemente vaca. E é provável que dentro
de algum tempo venhamos a ter leite e laticínios de origem
nacional. Mas voltando um pouco atrás, o aumento do número de
sócios e de transacções levou-nos a arrendar gradualmente novas
lojas no Mercado de Chão de Loureiro até um total de cinco.
Passámos assim de 20 para 100 m2.

Bat. – Sobreveio finalmente o mandado de despejo…

A.R. – A Câmara Municipal de Lisboa decidiu encerrar o Mercado e
as alternativas oferecidas ou não eram aceitáveis ou
revelaram-se insatisfatórias (Alcântara).
Fomos obrigados a procurar um novo espaço, tendo alugado o
actual armazém na Rua Salgueiro Maia, junto ao aeroporto militar
de Figo Maduro, para onde nos transferimos em Março de 2001.
Porém até Agosto, data do encerramento definitivo do Mercado de
Chão de Loureiro, permaneceu aí uma secção da Biocoop. Com o
progressivo aumento do número de associados depressa se
verificou a insuficiência do novo armazém, pelo que tivemos de
alugar o armazém contíguo. Aí se instalou a padaria, com forno
próprio, que fabrica dez tipos diferentes de pão, uma área de
cafeteria, outra de frutas e legumes frescos e as caixas
registadoras.

Bat. – Já que por diversas vezes se tem aludido ao crescente
número de sócios, quantos associados tem presentemente a
Biocoop?

A.R. – Tem actualmente 1015 sócios, isto é, mais do que
decuplicou o seu número em dez anos. Isto sem recurso a qualquer
campanha publicitária. As novas adesões são normalmente de
familiares, amigos ou conhecidos de sócios. Contrariamente a
outras organizações a filiação na Biocoop não implica adesão a
qualquer regime dietético particular (vegetarianismo,
macrobiótica, etc.). Os sócios, dos dois sexos e de vários
grupos etários e profissionais fornecem um pequeno contingente
de voluntários para algumas actividades da cooperativa.

Bat. – Que informação e/ou formação é dada aos associados?

A.R. – Há um boletim, que inicialmente era mensal e se chamava
“Folha de Alface” e que deu posteriormente lugar a um mais
pequeno, quinzenal, denominado “Germinados”, onde se dão
notícias relativas à cooperativa, aos produtos disponíveis, às
propriedades alimentares de frutos e legumes, receitas de
culinária, etc.
Tem havido, embora de modo irregular, palestras sobre temas
relacionados com a alimentação e a saúde, sobre cereais, legumes
e frutos, etc.
A partir de Março e até princípios de Outono têm mensalmente
lugar visitas guiadas a quintas de fornecedores da Biocoop sendo
facultadas aos sócios informações sobre os métodos utilizados e
os produtos cultivados. Estas visitas, bem como os contactos
efectuados na sede criam laços de convívio e amizade entre
produtores e consumidores.

Bat. – A propósito destas visitas dos sócios a quintas dos
produtores-fornecedores, que outras relações existem entre a
Biocoop e os seus fornecedores?

A.R. – Alguns agricultores participam activamente na arrumação,
exposição e venda dos produtos revezando-se nas caixas
registadoras.
Mas além disto faço uma reunião trimestral com os produtores por
forma a lograr globalmente uma produção mais diversificada e uma
complementaridade (em vez de competitividade) entre os
diferentes agricultores. Essas reuniões têm também por fim
fixar, por consenso, um “preço justo” para cada produto posto à
venda na cooperativa.

Bat. – Esta questão dos preços é importante, uma vez que nos
mercados convencionais e nas grandes superfícies os produtos da
agricultura biológica são muito mais caros que os outros.

A.R. – Temo-nos esforçado desde o início por colocar os produtos
da agricultura biológica a preços idênticos ou muito próximos
dos da agricultura convencional, com vista a permitir o acesso
de todos – e não apenas dos mais abastados – a produtos mais
saudáveis. Os preços elevados praticados nas grandes superfícies
não se devem tanto ao aumento do preço no produtor como aos
altos lucros obtidos pela entidade comercializadora.

Bat. – Temos a noção de que na Biocoop, os preços mais elevados
dizem principalmente respeito aos artigos importados e não aos
da produção nacional. Pelo que haveria toda a vantagem em
diversificar esta, diminuindo a nossa dependência do
estrangeiro.

A.R. – É exacto. Esperamos vir a ter leite nacional (e
possivelmente alguns laticínios) de confiança num futuro
próximo. Relativamente a produtos que impliquem uma indústria
transformadora exclusivamente vinculada à agricultura biológica
a situação é mais complicada porque este sector é ainda muito
pequeno, tanto ao nível do consumo como da produção. Em muitas
áreas ficaremos ainda por alguns anos dependentes do exterior.

Bat. – Está em curso uma campanha contra os transgénicos. De que
modo vai a Biocoop participar nela?

A.R. -  A campanha chama-se “Transgénicos fora do prato!” e a
BIOCOOP participa activamente desde o início em 2000. Nesse ano
conseguimos que o governo decretasse uma moratória para as
culturas de milho transgénico que nesse mesmo ano tinham sido
autorizadas. Actualmente a campanha volta a activar-se pois
suspeita-se que este governo pretende levantar essa moratória.
Para nós as culturas transgénicas são inaceitáveis e representam
uma ameaça terrível para a agricultura biológica, para o
ambiente e saúde das pessoas.

Bat. – Consta que se prepara um programa comemorativo dos dez
anos da Biocoop. Pode saber-se pelo menos a traços largos, que
programa é esse?

A.R. – Gostaríamos de organizar uma festa/convívio animada pelos
sócios que são músicos, actores, bailarinos, malabaristas, etc.
Vamos também editar uma brochura com os textos publicados no
nosso boletim. Mas aquilo que mais gostaríamos de concretizar
este ano era um novo espaço para a BIOCOOP com uma concepção
ecológica e onde pudessem acontecer muitas actividades como
ateliers, debates, aulas, etc.

Bat. – Queres deixar algumas últimas palavras aos nossos
leitores, como por exemplo sobre o abastardamento do conceito de
produto agrobiológico adoptado pela UE?

A.R. – O conceito de agricultura biológica está a ser absorvido
pelo sistema vigente que vê apenas a questão comercial e
aproveita para retocar a imagem como estando a apoiar o
ambiente.  É importante continuar a difundir a importância da
agricultura biológica como componente essencial dum outro
sistema mais justo quer a nível social, económico e ambiental. É
fulcral a consciência de que ao comprar um produto biológico na
BIOCOOP se está a contribuir para viabilizar o trabalho de
algumas dezenas de agricultores em algumas centenas de hectares
sem agro-químicos.


……

Adeus sustentabilidade

Pouco importa que a agricultura biológica (AB) seja o caminho do
futuro. Que haja países inteiros (Cuba, Islândia) em processo de
reconversão nacional, que 80% dos americanos estejam dispostos a
pagar mais para comprar biológico e a sua AB cresça a mais de
20% ao ano, que em três anos a Áustria tenha passado de 2000
para quase 20000 explorações certificadas, que no total da União
Europeia a percentagem de explorações certificadas tenha
aumentado 35 vezes desde 1985 (só entre 1994 e 97 passaram de
33000 para 80000), que uma das maiores cadeias de supermercados
britânica tenha passado a oferecer apenas alimentos biológicos,
ou ainda que a maior marca alemã de alimentos para bebés tenha
optado pelo 100% biológico, num país em que a ministra da
agricultura já anunciou ‘o fim da era da agricultura intensiva e
a transição para a produção alimentar de base ética e
ecológica'.
Também parece ser pouco prioritário o facto de que os produtos
bio sistematicamente apresentam menor contaminação por'
poluentes sintéticos e melhor perfil nutricional, possuem já um
mercado global avaliado em 25 mil milhões de dólares e, sendo a
proveniência típica de explorações com pequena ou média
dimensão, promovem intrinsecamente a diversidade
rural, benefícios ambientais, a auto-suficiência e controle
locais, uma sólida economia regional e a ligação do consumidor à
terra.
Através de estudos conduzidos na Europa ao longo da última
década sabemos agora que nas explorações biológicas, quando
comparadas com explorações convencionais, encontramos cinco
vezes mais plantas selvagens, 57% mais
espécies de plantas (e as espécies raras ou em perigo só
aparecem nas quintas biológicas), 25-44% mais pássaros, 1.6%
mais insectos para pássaros comerem, três vezes mais borboletas
inócuas, 100 a 500% mais aranhas e 100 a 200% mais espécies de
aranhas benéficas, etc, etc.
Ainda mais recentemente se publicaram análises detalhadas que
demonstram à saciedade a maior rentabilidade da AS depois de
ultrapassada a fase de reconversão (pequenos agricultores com
produção diversificada conseguem cerca de dez vezes mais lucro
por hectare do que grandes explorações em regime de monocultura)
e também que desmontam um dos grandes mitos que permearam a
agricultura ao longo do séc. XX: o de que agricultura
convencional apresenta maior produtividade.
Com efeito, na revista Nature foram apresentados os resultados
de uma das maiores experiências agrícolas alguma vez levadas a
cabo: agricultores chineses colaboraram na comparação da
monocultura do arroz com policultura de múltiplas variedades do
mesmo cereal e, com esta última opção, conseguiram aumentos
espectaculares de produção (até 18%) conjugados com uma redução
em 94% da maior praga da região sem qualquer aplicação de
pesticida.
Um ano depois, na mesma revista científica, ficamos a saber que
um pomar de macieiras em produção biológica não só é mais
produtivo como protege melhor o ambiente (no curto e, em
particular, no longo prazo) e ainda tem maçãs com sabor mais
apurado do que um pomar equivalente em regime convencional. Ou
seja, é incomparavelmente mais sustentável.
Mas tudo isso é em vão. A ameaça, inexorável, tem um nome:
sementes geneticamente modificadas (GM). Com a abertura iminente
do espaço agrícola-europeu à multiplicidade de transgénicos
vegetais e patentes correspondentes, a AB é irremediavelmente
posta em cheque. Os impactos negativos apresentam-se em
múltiplas vertentes que o espaço disponível não permite abordar
(perda do pesticida Bt, desaparecimento de variedades, novas
pragas, ruptura na produção de sementes certificadas,
necessidade de abandono da prática milenar de guardar semente
para a época seguinte, etc, etc) mas talvez o perigo mais
imediato esteja na poluição genética em geral e na polinização
cruzada em particular.
E que o pólen não conhece fronteiras. Segundo o próprio ministro
do ambiente britânico, entre outros altos responsáveis,
reconhece, 'A poluição genética das culturas vizinhas aos campos
de OGMs é imparável. Não adianta fingir que haverá distâncias de
segurança que possam evitar toda a contaminação'. O resultado é
(está a ser) a destruição da produção biológica contaminada e a
perda de certificação para os agricultores envolvidos. O caso
mais recente é bem próximo: aconteceu na vizinha Navarra, com
milho, no verão passado.
Não vale a pena fazer de conta que vai ficar tudo bem. Um estudo
encomendado pela Comissão Europeia prevê a subida dos custos de
produção para todos os agricultores, convencionais e biológicos,
num futuro em que os três tipos de agricultura venham a
coexistir. Talvez ainda mais importante, esta análise reconhece
que a coexistência da agricultura biológica e do tipo GM é
impossível nos moldes actuais. Em termos concretos, é concluído
que a coexistência só seria possível se todos os agricultores da
região cooperassem, mas mesmo assim o limite de 0.1 % de
contaminação
actualmente empregue pelos supermercados para rotulagem de
alimentos convencionais não-GM é considerado inviável. Também é
projectado que os custos de produção de milho e batata possam
aumentar 1 a 9% e os custos de produção de colza para semente
subam 20 a 41 %.
Em Portugal, a movimentação em torno desta problemática tem sido
perto de nula. Está em curso uma campanha de recolha de adesões
em torno de urna moção contra a libertação de plantas
transgénicas no ambiente (vide http:// www.naturlink.pt) mas o
governo tem revelado uma indiferença que ronda o autismo. Na
verdade, se não forem tomadas medidas claras agora, é toda a
agricultura e produção alimentar portuguesas, e não apenas o
nicho da AS, que ficam contaminadas. Depois de acontecer, vai
ser tarde demais: é que, ao invés da poluição química, a
poluição genética reproduz-se. Adeus sustentabilldade.
Margarida Silva
(Bióloga, docente da Universidade Católica do Porto)




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