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(pt) A BATALHA #199: ANARQUISTAS E ORGANIZAÇÃO

From A BATALHA <jornalabatalha@hotmail.com>
Date Mon, 14 Jul 2003 18:17:33 +0200 (CEST)


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A - I N F O S S e r v i ç o de N o t í c i a s
http://www.ainfos.ca/
http://ainfos.ca/index24.html
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Insiro-me no debate nascido do artigo de Manuel Baptista (A
Batalha, n. 186) quanto à organização dos anarquistas. Sou
militante da “Federazione dei Comunisti Anarchici” (FdCA)
italiana que – ao contrário da Federazione Anarchica Italiana
(FAI) é organização de tendência e não de síntese.

Na experiência histórica do anarquismo como movimento sempre se
confrontaram três tendências de fundo con referência à pratica
do anarquismo em si mesmo:


# a recusa de qualquer forma de organização e de criar
qualquer espécie de grupos estáveis;
# a opção a favor da criação de “grupos sem estrutura”,
essencialmente formados por agrupamento de pessoas que se unem
informalmente – evitando encargos e comités – sem regras
pré-fixadas, e agindo de forma aberta, dinâmica e pessoal;
# a opção a favor de uma organização anarquista formal.

Devemos dizer logo que sem a terceira tendência não teríamos
tido nenhuma das experiências concretas de revolução anarquista.
Não teríamos assim, face aos adversários – utilizando dados
efectivos – a possibilidade, não apenas teórica, de constituir e
gerir uma sociedade revolucionária libertária sem Estado e
capital.

A falta de organização gera marginalidade total, uma deriva numa
direcção só intelectual, e não tem em conta do facto
(historicamente incontestável) de que o ser humano realiza a sua
existência (material ou não) por uma cooperação estrutural com
os outros.

Aliás, é uma piedosa ilusão acreditar que um grupo informal seja
garantia de ausência de hierarquia e poder. Esta ilusão
manifesta-se cada vez que no interior de um tal grupo se devem
adoptar ou concretizar decisões, porque a formação de “líderes”
de facto fica favorecida pela própria falta de regras
partilhadas acerca do funcionamento do grupo e da difusão de
informações. Trata-se de pessoas que, estando de posse de
informações necessárias – e daqui do saber – podem orientar, as
decisões e deterem a direcção efectiva do grupo informal. Forma-se
então um núcleo de pessoas (ou uma pessoa) activo, à margem do
grupo na sua totalidade e com vínculos interiores mais fortes
do que acontece no grupo todo em quanto tal. As consequências
são facilmente intuíveis.

Acrescente-se a isto que, num tal grupo, quando vem o momento de
dar execução às decisões (ou acordos), como ninguém está forçado
a responsabilizar-se perante o grupo – pela simples razão de que
não existem regras nenhumas – as possibilidades são duas: ou
cada um faz o que quiser sem cuidar do que fazem os outros; ou
então avançam apenas os que decidiram agir e os outros acabam
por contar sempre menos. Eis aqui inteiramente recriada uma
situação de poder.
A destruição do grupo fica de qualquer maneira ao virar da
esquina.
Nos grupos anarquistas estruturados (que nem por isso deixam de
ser anarquistas) geralmente conhece-se bem a possibilidade de
alguns camaradas quererem ter o primado, mas não se renuncia à
organização: simplesmente a organização está concebida de modo a
evitar, o mais possível, a formação de hierarquias de poder, de
coacção e liderança, para consentir que os membros todos
participem na vida do grupo.
A existência de estatutos e regras, porém, não impede
absolutamente a realização de actividades informais e livres.

Há também grupos comunistas anarquistas caracterizados por uma
unidade teórica e táctica e pela “responsabilidade colectiva”.
Esta quer dizer que se o grupo é responsável pela actividade
política e revolucionária de cada membro, assim como cada membro
é responsável pela mesma actividade do grupo. Isto causou
escândalo em vários meios anarquistas: mas pode também ser lido
como uma mera exigência de união dos membros do grupo enquanto
grupo.

Também esta ultima posição é – e foi historicamente –
anarquismo, situando-se dentro de um horizonte comum com as
outras correntes que formam o anarquismo.

Contudo, a presença de um horizonte comum coexiste com
diferenças de postura que produzem uma incompatibilidade
real entre os defensores da organização especifica (e
particularmente os da ultima posição) e os
individualistas: O fenómeno não é novo na Historia.

Dar uma imagem do anarquismo que seja, ao mesmo tempo, uma e
plural, quer dizer banalizar a complexidade do anarquismo mesmo.
Realisticamente falando, um trabalho em comum é seguramente
possível entre os apologistas da organização, embora seja às
vezes complicado se alguns camaradas quiserem reduzir a
organização a uma simples secretaria de correspondência e outros
não. Mas é, e será, impossível entre “organizativistas” e
individualistas. Nesta situação seria melhor que cada um tomasse
o seu caminho, onde recolherá os frutos que for capaz de
recolher.

As modalidades de organização dos anarquistas são bem
conhecidas, e por isto não vamos gastar palavras sobre o
assunto. Só dizemos que os anarquistas organizam-se fixando, num
espírito libertário, as formas de funcionamento do grupo, de
forma a chegar às decisões e a fazer circular as informações.

A propósito das decisões, não há dúvida nenhuma que a
unanimidade, quando se deve decidir, seja coisa óptima. Mas
quando a unanimidade não se obtém, entre muitíssimos anarquistas
há uma espécie de preconceito dogmático (os anarquistas também
têm dogmas): não se vota, porque senão existiria uma maioria e
uma minoria (ou várias), com possibilidade de liderança, e então
parece preferível que cada pessoa, ou grupinho, faça o que lhe
aprouver.

A coisa resulta simplista e rígida, pouco funcional e nem sempre
justa.

Sem voto, não é sempre possível estabelecer o que é que pensam
os camaradas todos. Numa reunião ou – ainda mais – numa
assembleia, nem todos falam ao conjunto dos camaradas, quer por
timidez, quer por incapacidade oratória, quer por falta de tempo
(amiúde causada pela terrível figura do camarada com logorreia).
Se num momento determinado alguém pergunta: “estamos todos de
acordo?”, sem dúvida há uma votação, cujo resultado pode ser
unânime ou não (note-se, a unanimidade é sempre o resultado duma
votação!). Se ninguém faz aquela pergunta – e por hipótese os
que intervieram manifestaram a mesma opinião, isto não quer
dizer que também os que não falaram (pelas razões ditas antes)
partilhem a opinião dos oradores. Então, não votar seria uma
prevaricação e tornar-se-ia estéril dizer “porém podiam
intervir”.

E se à pergunta “estamos todos de acordo?” alguém responde “não”
e não quiser, afinal, aceitar como comum a decisão da maioria,
existindo ainda uma união entre os membros do grupo, os
discordantes devem ter o direito de não participar na realização
daquela decisão.

Contudo, parece muito problemático reconhecer o direito de agir
contra as decisões da maioria: isto põe em perigo seguro a vida
do grupo. Coerência e equidade pedem que os discordantes – se
pensarem que não podem mais coexistir com os outros camaradas
por causa de divergências insanáveis sobre assuntos importantes
– deixem o grupo, não existindo mais os vínculos recíprocos de
antes.

E estes vínculos são da máxima importância para os anarquistas
que, não por acaso, se organizam com frequência por grupos de
afinidade.

* * *

Diz-se que um grupo coeso e livremente organizado (que também em
liberdade mantém a sua organização) é análogo aos dedos de uma
mão unidos num punho. Bom. Mas, pergunta-se, para fazer o quê?
Somos parte de um movimento de opinião? Dentro desta sociedade
queremos fazer propaganda tranquila dos nossos ideais de
liberdade para o género humano, trabalhar em defesa da paz, do
ambiente, do municipalismo, etc. como um normal movimento
burguês? Ou, conforme à tradição do anarquismo, queremos fazer
luta de classe, difundir ideias de auto-organização dos
trabalhadores e explorados, de acção directa contra o Estado, os
capitalistas, os patrões, os exércitos, a igreja, etc.?

Queremos dar vida a um movimento revolucionário ou não? Queremos
começar a trabalhar no social, nos sindicatos, para formar uma
corrente libertária que lute e ajude a lutar?

Se sim, precisamos duma organização libertária como fizeram os
anarquistas da Ucrânia revolucionária, da FAI/CNT em Espanha os
de Itália antes do fascismo e depois, da FAU do Uruguai, etc.

Se não, façamos cultura, propaganda intelectual, escrevamos
livros dando uma boa imagem de pessoas amadas, para os filhos,
os amigos; mas não dando muito a quem quer um mundo melhor e
possível e, sobretudo, quer agir, lutar, com o fim de realizar
“o mundo novo que trazemos nos nossos corações” – usando as
palavras de Durruti, que nos meios anarquistas alguns
consideraram um “cripto-bolchevique”!

É verdade que organizações anarquistas “especificas” não podem
fazer muito sem a presença anarquista no mundo do trabalho. As
experiências portuguesa, espanhola, argentina e italiana
demostram-no. E hoje, esta presença falta em Portugal. Falta
hoje, mas isto não implica o mesmo se passe amanhã. O hiato de
gerações no anarquismo português, entre o fascismo e o 25 de
abril, é sem dúvida uma realidade pesada. Por isso, deve-se
começar desde um ponto que fica abaixo de zero, mas “caminando
se hace el camino”. O anarquismo com a sua praxe revolucionária
– a história demostra-o em vários países - também pode cair num
sono profundo, e as velhas bandeiras repousarem guardadas por
honrados militantes duma geração passada, aos quais não se pode
pedir outro trabalho: já fizeram.

Mas, como se demonstra hoje, por exemplo na América do Sul,
acontece que uma geração mais nova olha ao seu redor, não gosta
desta sociedade, não recebe velhas bandeiras de luta por sem
nenhuma geração intermédia de anarquistas e então ..... fazem
eles próprios as suas bandeiras pretas e vermelhas, e em tal país
a história do anarquismo de classe e militante retoma o seu
curso.


PIER FRANCESCO ZARCONE

Militante da FdCA







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