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(pt) Notícias de Chiapas - Emilio Gennari (Trad.)

From a-infos-pt@ainfos.ca
Date Sat, 5 Apr 2003 07:59:09 +0200 (CEST)


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A - I N F O S S e r v i ç o de N o t í c i a s
http://www.ainfos.ca/
http://ainfos.ca/index24.html
________________________________________________

em 2003-04-05
Olá,
pouco a pouco a tradução da longa sequência de textos que o EZLN divulgou
entre janeiro e fevereiro deste ano caminha rumo ao fim. Infelizmente, o
trabalho e uma longa série de compromissos me impedem de acelerar o passo,
mas não se preocupe que devagar se vai ao longe.Portanto, agora, faça rolar esta mensagem até o fim e dedique alguns
minutos à leitura de mais este comunicado do EZLN.Grande abraço
Emilio.

Atenção:

Se você conhece pessoas ou entidades interessadas em receber gratuitamente
o material traduzido é só pedir para enviarem uma mensagem a
emiliogennari@osite.com.br ou encaminhe a elas este mesmo e-mail.
Devido a problemas com hakers, não abra nenhum documento que se apresente
como anexo a esta mensagem.
Encomendas do livro "Chiapas: as comunidades zapatistas reescrevem a
história", com Robson, Fone/fax: (0xx21) 25.44.55.52 E-mail:
letralivre@gbl.com.br_______________________________________________________________
Site Ya Basta: http://www.ezln.org/
Site da Marcha à Cidade do México: http://ezlnaldf.org/
Site FZLN: http://www.fzln.org.mx
Site Arquivo EZLN-BR: http://www.chiapas.hpg.com.br
Site La Jornada: http://www.jornada.unam.mx/
________________________________________________________________

EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.

MÉXICO.



Agosto: Região Pacífico Norte, a oitava estela

(Os povos indígenas ensinam a governar e a se governar).



Da Itália rebelde e digna, a nuvem faz um complexo desvio para voltar. Em
função do vento e da história atual, é presa num redemoinho de pedras e
ares indígenas. Às vezes são os céus de Chihuahua e Durango, em outros
momentos as terras de Zacatecas ou San Luís Potosí; depois é Sonora, em
seguida Colima; logo são as montanhas de Jalisco e Nayarit e, mais
adiante, os caminhos de Michoacán.
Deve estar parecendo que não há nada a unir todos estes estados, mas
acontece que, lá em baixo, há caminhos subterrâneos e histórias que nada
sabem de divisões políticas. Nestas terras, vivem mais de 20 milhões de
mexicanos. E mais de meio milhão de indígenas constroem uma experiência
que pode ensinar muito sobre o que seria um bom governo. Eu disse
“constroem”? Bom, deveria ter dito “reconstroem”, porque é olhando para
trás e pensando para diante que estes povos indígenas vinculam a
resistência à autonomia... e a outras lutas.
Aí está Sonora e a ponte para a Arizona norte-americana estendida pelos
Tohono O’odham (antes conhecidos como “Pápagos”). Se há algumas amostras
de quanto as fronteiras são inúteis e artificiais, aqui tem uma: a nação
Tohono O’odham se reconhece como um povo dividido pela fronteira
internacional EUA-México, mas unido por sua história e cultura. Tanto é
assim que, por ocasião da Marcha da Cor da Terra, este povo indígena
intimou os presidentes Fox e Bush, e os dois Congressos, a cumprirem os
Acordos de San Andrés (que completam sete anos neste 16 de fevereiro).
Mais pra lá, estão os Mayos ou Yoremes de Cohuirimpo (um dos oito povos da
tribo Mayo), com uma sabedoria que deixaria aflito qualquer filósofo
pós-moderno. Assim falam: “A rebelião contra os tiranos é obediência à
verdade”, “... tirar a terra é tirar o pão e a paz, a liberdade e a
alegria, o ar, o sol e a chuva... quem se apodera da porção de solo que a
você pertence, se apropria de alguma maneira do seu ser... destrua tão
monstruosa aberração, faça com que a terra seja para todos, como a
atmosfera e o mar, porque sem terra você continuará escravo e miserável”.
“A verdade afina e não quebra, e sempre nada sobre a mentira como o azeite
sobre a água”. Refletindo sobre as rebeldias indígenas que, de vez em
quando, aparecem, assim dizem: “Um espinho é um bosque de advertências”
(Textos publicados em Ojarasca, Suplemento do La Jornada, 2002).
Na Baixa Califórnia do Norte, os indígenas Kiliwas, os filhos do vento,
perdem a vida quando perdem a terra. Agora só restam 8 indígenas deste
povo que foi saqueado por fazendeiros, governos, religiosos protestantes,
criadores de gado, burocratas do INI e da Reforma Agrária, e que,
cantando, contavam sua história às novas gerações (Cfr. Los Kiliwas. Los
últimos nueve, Juan Cristián Gutiérrez).
Um vento leva a nuvem até Chihuahua, onde se vive e se sofre o fracasso de
transformar áreas do México em Estados da União Americana; tanto o PRI,
como seu parceiro não parceiro, o PAN, têm demonstrado que, quanto a fazer
um papel ridículo, seus governos não ficam devendo nada a seus homólogos
norte-americanos.
O assassinato de mulheres em Cidade Juarez define perfeitamente o
desinteresse dos governantes: a frivolidade e a irresponsabilidade
constituem os eixos dos programas de governo no que diz respeito a este
problema. E não é só uma atitude racista, machista e de classe. Sim, o
governo de Chihuahua não tem porque se preocupar com o que acontece em
Cidade Juarez. Afinal, as que são assassinadas são só mulheres, operárias,
jovens e pobres. Contudo, parece que o que está se escondendo é algo bem
maior. Como se ele e os assassinos fossem parte deste pequeno grupo de
poderosos que no Norte determina quem vive e como e quem morre e como. O
horror das mulheres sacrificadas em Cidade Juarez deixa qualquer filme de
assassinos em série na categoria de charge dominical. Nada, nem o clamor
popular, nem as reportagens da imprensa local e nacional, nem as
mobilizações, nem as denúncias têm comovido os vários governos. Mais que
irresponsabilidade, sua ineficácia sugere cumplicidade (sobre este
assunto, consulte você mesmo a página web de “Comunicação e Informação
sobre as Mulheres”. CIMAC. www.cimacnoticias.com).
Mas na serra Tarahumara, os Rarámuris procuram outra porta para sair do
beco de morte e miséria. E assim cruzam as mãos e os olhares com os
O’odham ou Tepehuanos de Chihuahua e Durango, com os Tohonos O’odham ou
Pápagos em Sonora. Seu trabalho de resistência é a reivindicação de sua
religiosidade, sua comunidade e seus direitos ao bosque e ao território.
Ricardo Robles SJ, talvez quem melhor conhece a realidade da serra
Tarahumara, conta como os Rarámuris, que trabalham com o coração colocado
na comunidade, recentemente deram um duro golpe contra as farsas
governamentais. Eles conseguiram realizar uma consulta (que pôde se
estender aos ranchos dispersos que povoam os vales da serra Tarahumara)
cujo resultado foi o rechaço à contra-reforma Cevallos-Bartlett-Ortega.
Porque os povos Raramuri, Rarómari e Odani são rebentos do feliz modelo de
luta pela palavra. Em maio de 2001, escreveram à Assembléia Legislativa de
Chihuahua: “Não concordamos com o que foi aprovado... não se reconhece a
autonomia de nossos direitos a sermos povos indígenas diferentes, mas não
diferentes quanto a sermos cidadãos mexicanos... pedimos que nos dê um
espaço para dar nossa palavra, nosso pensamento... desde sempre nós temos
vivido sem o respeito de nossos direitos e cultura indígena”.
Os políticos, como era de se esperar, não ouviram. Trataram eles com
desprezo, racismo e prepotência, ou seja, da forma típica dos políticos
profissionais. Disseram-lhes que não havia dinheiro para fazer uma
consulta com os povos. Os indígenas responderam: a faremos nós. E como, à
diferença dos políticos, os indígenas cumprem sua palavra, fizeram a
consulta. Durante seis meses, sem outros recursos que seu digno coração,
percorreram a serra Tarahumara e conseguiram a consulta mais ampla e mais
confiável que jamais havia sido realizada nestas terras. Seis municípios,
64 comunidades, 4 mil 567 assinaturas ou digitais que dizem “NÃO” à lei
Cevallos-Bartlett-Ortega. Quando levaram os resultados, na Assembléia
Legislativa de Chihuahua disseram-lhes: “Vocês não sabem de nada!”
Com certeza, pode-se refletir sobre a incapacidade do Poder para ouvir,
mas aqui se trata de sublinhar a capacidade dos povos indígenas para
dialogar, para a palavra. E pelo caminho da palavra encontram a si mesmos,
sua história, sua cultura, suas dores, suas esperanças. E encontram também
o outro...
Por exemplo, o Tepehuano em Durango e Zacatecas. Sim, na Zacatecas do
pré-candidato à Presidência da República, Monreal, onde às mulheres
indígenas e não indígenas não resta outro caminho a não ser o da
prostituição, onde existe o maior mercado negro de dólares do México, onde
aumenta a porcentagem de suicídios, inclusive entre as crianças, onde
proliferam as maquiladoras e a migração para os Estados Unidos.
E em Durango, os povos indígenas do norte do México encontram a mão e o
olhar dos Wixaritari. Os Huicholes se tornam assim uma ponte que une o que
a lógica perversa e cruel do capital separa: a resistência indígena.
No que chamam de região Pacífico Central (mas que, na realidade, atinge
também o norte, sul, golfo e sudeste do México) se deu origem a vários
encontros de médicos, atua-se contra a bioprospecção, contra a
certificação dos médicos, contra as consultas espúrias do INI. Alguns dos
povos lutam com liminares contra a reforma constitucional, outros com
pedidos de inconstitucionalidade, mas acompanham sempre isso tudo com a
construção quotidiana da autonomia, do autogoverno indígena.
Se, além da cor da terra, estes povos têm algo em comum, é que suas vozes
se reivindicam como sendo das comunidades e dão peso aos representantes,
às autoridades tradicionais e aos comuneiros e comuneiras.
Em jalisco e Nayarit, os Wixitari estão empenhados em continuar ganhando
os processos contra os invasores, mas, ao mesmo tempo, procuram fortalecer
os limites do seu território, para que não voltem a invadi-los. Sofrem
pela intromissão da luz elétrica e das estradas, da possível contaminação
com o milho transgênico, e insistem em ter uma educação com conteúdos
próprios. São várias as ações concretas que estão empreendendo. Por um
lado, as autoridades comunais e tradicionais (em Huichola ambas as
palavras estão em sintonia) de San Sebastián e Santa Catarina (duas das
grandes comunidades agrário-religiosas huicholas) empreenderam, durante 15
dias, cada uma por conta própria, mas de comum acordo, uma caminhada ao
redor de sua comunidade, sobre a linha que delimita o seu território,
passando por cima das terras invadidas por caciques, narcotraficantes,
pelo que fosse, para, agora sim, traçar sua fronteira e afirmar que
ninguém ia tirá-las daí e, ao contrário, elas sim tirariam aqueles que as
estavam invadindo. Para isso, foram abrindo, com a ajuda de meirinhos, uma
picada de três metros de largura com a qual ficou demarcado o limite real
de sua comunidade. Fizeram currais nos terrenos já recuperados e para lá
levaram as vacas, touros, mulas e cavalos para que os mestiços passem a
retirá-los após pagarem a multa que lhes impõem.
Mas a “modernidade” também se rebela. Grupos de indígenas, equipados com
sistemas de posicionamento global, corrigiram os trajetos da brecha de
acordo com os mapas. No caminho, foram recolhendo histórias de ameaças e
maus tratos dos invasores para com as famílias que vivem na divisa (e que
têm a tarefa de viver aí para defender o limite do território). Num dos
lugares, detiveram dois huicholes dos que se soube haviam sido pistoleiros
contratados pelos narcotraficantes para matar, há cerca de seis meses
atrás, uma família huichola à qual queimaram a casa e enforcaram dois de
seus membros. Então, as autoridades de San Sebastian, com a força dos
meirinhos, prenderam e amarraram os assassinos e decidiram que não iam
entregá-los ao Ministério Público. Afirmaram que não iam matá-los, mas que
os manteriam presos e os julgariam e aplicariam penas na forma de
trabalhos para a comunidade.
Os narcotraficantes e os caciques souberam que haviam sido levadas duas
pessoas que poderiam delatá-los e deram um toque ao exército e à Judicial,
que vasculharam a região durante vários dias, mas não encontraram ninguém
e ninguém lhes deu informações.
Há também outro acordo entre autoridade comunal e autoridade tradicional
em Huichola: o que se dá entre jovens e anciãos.
Os Wixaritari, como já dissemos, não estão sozinhos. Com a Associação
Jalisciense de Apoio aos Grupos Indígenas (AJAGI) estão pondo pra
funcionar, com grande sucesso, vários armazéns comunitários que compram no
atacado os produtos que as comunidades distantes precisam e vendem-nos de
forma cooperada, a um preço muito mais em conta do que o das lojas da
região. Deram início também a um programa muito inovador no qual, através
de oficinas, conscientizam os jovens a cuidar para que não haja incêndios,
que não se cortem as árvores, que ninguém saqueie recursos naturais, que
não se deixe sujeira e muitas outras ações que protegem a ecologia.
Um momento! Quer dizer que os indígenas se organizam para evitar os
incêndios, proibir a derrubada dos bosques e proteger os recursos
naturais? Mas na televisão dizem que são os indígenas aqueles que estão
destruindo a nossa ecologia!
Pois é, a televisão mente. Os povos indígenas não só defendem a terra e
cuidam dela, como defendem e cuidam da solidariedade entre os serem
humanos. Na serra, longe dos programas televisivos, está se construindo de
fato uma rede de pessoas das comunidades que se comunicam entre si para
ajudar-se em caso de emergência, nos trabalhos de leitura dos mapas, de
apagar os incêndios, e isso têm criado tamanha agitação que agora quase
nada acontece em Huichola sem que toda comunidade o saiba, apesar da
natural dispersão. São eles que investigam o que acontece e fazem correr a
voz. Enfim, avançam, e rapidamente, na criação de um sistema de segurança
civil comunitária não só para os delitos, como para todo tipo de
emergências, totalmente autônomo, ou seja, sem “Plano DN-III”.
Semanas atrás, no fundo de um barranco, em Huichola, se reuniram quase
dois mil comuneiros depois de uma caminhada de até dois dias. Enquanto os
Kawiteres (os que presidem as cerimônias) cantavam no costuma wixaritari,
a assembléia discutia e acordava os caminhos do bom governo... e da
solidariedade com outros irmãos. Desta reunião participaram indígenas de
Morelos, Michoacán, Colima, Nayarit, Jalisco e Durango, e dela
participaram todos os comuneiros de base huichole que puderam, investindo
fortemente contra a famosa consulta do INI. O resultado foi um documento
agressivo contra a consulta que saiu antes que ela ocorresse e que os
induziu a não participar. No documento, entre outras questões, se insistiu
em irmanar silêncios com os indígenas zapatistas do sudeste mexicano. Dias
antes, em Bajíos del Tule, ocorreu um encontro internacional de povos
indígenas. Estiveram aí os Samis da Finlândia, Miskitos, Garifunas, Kunas,
Amuzgos de Xochistlahuaca, Nahuas de Jalisco e Wixaritaris.
A serra Huichola. Um veado azul de aproxima e a nuvem levanta vôo no céu
wixaritari, enquanto um violino inicia uma música: “Já se vê no
horizonte...”.
E, no horizonte, aparece o céu de Michoacán, o que agora oferece abrigo e
ensinamentos à nuvem-pedra.
Michoacán é a terra do chamado “Corunda Power” do Partido de Ação
Nacional, formado pela família Carderón. De um lado, está o ex-coordenador
dos deputados panistas, Felipe Calderón Hinojosa. Felipinho, que há três
anos sonha despachar no Bucareli, em breve, será enviado ao Banobras (o
senhor Calderón tem contra si acusações de malversação de recursos
financeiros na fração parlamentar do PAN, de forma tal que tem experiência
para dirigir um banco). Um posto burocrático para quem nunca deixou de ser
um burocrata.
Felipe Calderón, que sonha imitar La Coyota Fernández de Cevallos, decidiu
não concorrer ao governo de Michoacán, diante de Cárdenas Batel, quando
soube que uma parte da estrutura dos Amigos de Fox neste estado apoiava o
candidato perredista.
Também do “Corunda Power” é a senadora Maria Luisa Calderón. La Calderona,
como a conhecem os zapatistas e não zapatistas, famosa por sua atitude
despótica e sua linguagem de rufia, é uma das senadoras mais incompetentes
e ignorantes (o que, no caso do Senado, já é dizer o suficiente). La
Calderona brilha também por sua falta de inteligência. Uns meses atrás,
contratou um tal Mario Maqueo, o qual se apresentava, diante dos estúpidos
do Senado e do gabinete foxista, como alguém que “procurava romper a
inércia da falta de diálogo entre o zapatismo e o governo”. O senhor
Maqueo vendia uma velha história: existiam divergências no EZLN e havia
uma possibilidade de que uma ala do zapatismo quisesse restabelecer o
diálogo. O sonho dos governos e dos partidos políticos! O EZLN dividido! É
claro que a história vendeu bem e caro, porque o governo gosta de comprar
mentiras (claro, também de vendê-las). Entre os absurdos vendidos pelo
senhor Maqueo, estava o fato de que ele conhecia o “Procurador de Direitos
Humanos do EZLN” (!!), o qual despachava em... Comitán, Chiapas! De servir
a este exemplo de delicadeza e fineza que é La Calderona, o senhor Maqueo
passou às ordens de outra pessoa fina e delicada (e com o mesmo
coeficiente intelectual): Santiago Creel.
Em Michoacán, estão também: uma das seções mais combativas do sindicato do
magistério, a Seção 18; a Casa do Estudante “Lênin”; os estudantes da
Normal de Tiripetío, trabalhadores do INEGI; o sindicato dos empregados da
Universidade Michoacana; a sociedade civil de Uruapan; vendedores
ambulantes, El Barzón; a CNPA e outros.
Em muitos michoacanos, está presente a sensação de que não há mudança. O
governo local veio fazendo alianças com grupos empresariais e priistas. E
as ações do governo são as mesmas do tempo do PRI, inclusive não mudam nem
os discursos.
No governo de Michoacán, em relação ao movimento indígena, se leva adiante
a mesma estratégia do governo federal: tem se dedicado a tratar e quebrar
as organizações levando todos para as posições do governo com a miragem do
apoio do governo. E alguns morderam a isca. Quem não é deputado, tem
cargos de funcionário e neles se injetam recursos governamentais
juntamente com as fundações internacionais. “O governo quer diluir a
resistência”, dizem, “há muita cooptação”. Há pouco, inclusive, quiseram
cooptar alguns líderes purépechas vendendo-lhes a idéia de uma
universidade indígena.
Mas o governo de quem antes traiu seus princípios, em seguida traiu a
verdade e depois seus amigos, que acusou de serem mentirosos (só falta-lhe
ordenar a repressão para ser um “político” completo), não pôde moldar uma
base própria nas comunidades nem da Meseta, nem das margens do Lago, e
muito menos entre os nahuas do litoral de Michoacán.
Aí está, por exemplo, a União dos Comuneiros Emiliano Zapata (UCEZ). A
UCEZ tem um trabalho muito consistente, não tem vínculos com o governo e
segue em seu caminho de defensoria agrária entre os comuneiros da Meseta e
Lago, sobretudo, entre os das imediações do lago de Pátzcuaro.
Nas terras de Michoacán, os camponeses e indígenas da UCEZ são os
combativos, os presentes, os perspicazes, os que gritam, aqueles que eles
sempre querem prender. Pois então, eles estão em resistência em Pátzcuaro,
Zirahuén (onde prenderam alguns comuneiros) e em Caltzontzin.
Há também um movimento que tenta recuperar a comunalidade e até a
autonomia em toda a Meseta Purépecha, reunindo, sobretudo, os municípios
de Paracho, Cheran Carapan, Charapan, Nahuatzen e Zacapu, e atingem também
Caltzontzin. Onde tem se tornado mais visível é no movimento pela defesa
da medicina tradicional.
Em menos de um ano, têm se reunido comunidades e organizações que em sua
discussão e em suas reivindicações incorporam questões de natureza comum:
defesa da mãe terra, proteção dos territórios comunais, exigência de
reconhecimento constitucional dos direitos dos povos indígenas, rechaço
contundente da biopirataria, da introdução de milhos transgênicos e das
políticas oficiais que proíbem o uso de plantas ou reduzem arbitrariamente
o exercício da medicina tradicional com o claro objetivo de favorecer as
empresas transnacionais.
É a gestação de um movimento de múltiplas faces, político, mas
apartidário, que se espalha por muitos lugares e que, somado a outros
movimentos, é expressão de uma resistência coletiva e individual ainda
invisível.
Deste esforço têm participado a comunidade purépecha de Caltzontzin, com
seu Centro de Desenvolvimento da Medicina Indígena Tradicional de
Caltzontzin, e os Médicos Tradicionais da Comunidade Purépecha de
Caltzontzin, a comunidade purépecha de Cheran e seu grupo de Médicos
Tradicionais Kurikua ka Irekuarikua, a União dos Comuneiros Emiliano
Zapata e a Organização Legado Purépecha. Participam também os comuneiros
da comunidade purépecha de Zopoco e um grupo de médicos tradicionais das
comunidades nahuas de Costa de Michoacán. Entre suas colocações, que são o
que dá a eles maior visibilidade, está um pronunciamento, a Declaração de
Caltzontzin (junho de 2001), da qual transcrevemos algumas partes:
“Opomo-nos a todas as políticas do governo acima listadas, à proibição
decretada pelo governo federal no dia 7 de dezembro de 1999 e a qualquer
outra proibição quanto ao uso de nossas plantas medicinais e ao livre
exercício da medicina tradicional por parte do povo do México. (...) Nós
que assinamos nos declaramos em justa e legítima rebeldia contra todas as
proibições existentes, ou que venham a ser decretadas no futuro, quanto ao
uso de nossas plantas medicinais e ao livre exercício da medicina
tradicional (...) Denunciamos a proibição ilegal do Instituto Nacional de
Migração da entrada em nosso país de cinco delegados do Movimento Indígena
Tawantinsuyu do Peru com o objetivo de participar deste segundo encontro,
e perguntamos à sociedade civil nacional e internacional se realmente
existe uma transição democrática neste país.
Em nível de autogoverno da assembléia comunitária, toda a Meseta está
ativa, mas estão, salvo nestas reuniões mencionadas, voltados muito pra
dentro.
As comunidades que mais se sobressaem são Cheran, Nurio, Angahuan,
Caltzontzin e Santa Ana Zirosto – que tem lutado durante anos para
defender mais de 5 mil hectares da melhor terra da Meseta, sempre pela via
pacífica e legal, e apesar disso têm mais de 187 mandatos de prisão e nove
processos contra o Conselho Comunal que vêm dos anos noventa. Sem ninguém
notar, vêm influenciando também os nahuas da faixa nahua de Michoacán, que
se estende pela serra e o litoral de Guagua até Boca de Apiza, já na
fronteira com Colima, e que têm seus principais enclaves em Cohuayana,
Ostula, Áquila, Pómaro e Cotre. Têm muitos problemas, pois estão rodeadas
por narcotraficantes e estão sentadas sobre vários e estranhos novos
minérios, o que as torna muito cobiçadas.
A nuvem se livra do redemoinho que lhe ensinou uma parte da dupla história
que caminha entre os povos indígenas: a do saque, no qual são cúmplices
políticos e empresários, nacionais e estrangeiros, da surdez e da
prepotência, do racismo e da repressão, mas também a da palavra indígena
que procura e se procura, a que fala e ouve, a que vem de longe e insinua
o futuro, o da resistência e da rebeldia...
Das montanhas do sudeste mexicano.

Subcomandante Insurgente Marcos.

México, janeiro de 2003.
__________________

Este comunicado foi publicado no La Jornada em 17/02/2003.



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